quarta-feira, 29 de julho de 2009

A verdade absurda

Tu disseste: Quero saborear o infinito.

Eu disse: A frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis.
Tu disseste: Sentir a aragem que balança os dependurados.

Eu disse: É o medo o que nos vem acariciar.
Tu disseste: Eu também já tive medo. Muito medo. Recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta.

Eu disse: Acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala.
Tu disseste: Um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir.

Eu disse: ...

Eu disse: O que é que isso interessa?
Tu disseste: ... Nada.

Tu disseste: Agora procuro o desígnio da vida. Às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon. Escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo. Depois queimo tudo e prossigo a minha busca.
Eu disse: Eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede.

Tu disseste: E nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?
Eu disse: Não. A mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada.

Tu disseste: E no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. Liberta-te do corpo. Tu é que não vês.

Eu disse: O que é que isso interessa?
Tu disseste: ... Nada.

Eu disse: O que é que isso interessa?
Tu disseste: ... Nada.

"Tu disseste - Mão Morta"

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