quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dying slowly I

Tinha fingido estar ébria para conseguir que alguém olhasse para ela. Mas agora começava a sentir o efeito do whiskey que estava a beber.
Deixou-se ficar submersa na banheira cheia até não aguentar mais tempo sem respirar.
Voltou a encher o copo e bebeu mais.
As lágrimas voltaram aos seus olhos. Naquele momento percebeu que a sua vida já não fazia qualquer sentido.
Não tinha amizades. Vivia sozinha. Nem sequer se importava com a sua casa. Detestava a decoração da sua casa. Todos aqueles móveis lhe pareciam decadentes como a sua vida.
Pensou que se arrastava todos os dias para o local de trabalho onde já não sentia qualquer satisfação em executar as suas tarefas monótonas.
Pensou nas três ou quatro noites de sexo que tinha mensalmente e em que durante algumas horas tentava esquecer o vazio da sua vida para logo a seguir se afundar ainda mais.
Não percebia o que podia fazer para mudar a sua vida.
Já não acreditava em si própria nem nas pessoas que a rodeavam.
Já não acreditava no amor. Já o tinha sentido uma vez e talvez não voltasse a ter mais uma oportunidade. Já não conseguia sonhar. Estava a desistir.
Naquele momento ouviu o seu telemóvel a tocar. Quem seria? Era tão raro o seu telemóvel tocar.
Saiu da banheira, enrolou-se na toalha e abriu a mala que estava caída junto à porta da entrada. Era o António.
- Olá.
- Olá. Tinha aqui uma chamada não atendida. Ligaste-me.
- Eu? Não.
- Ligaste, sim.
- Então foi ser querer. Deve ter sido o telemóvel dentro da mala.
- Estás com uma voz estranha. Estás bem?
- Não. Estou a beber whiskey.
- Mas tu nem costumas beber. O que se passa?
- Não consigo falar.
- Eu vou ter contigo. Não me demoro.
- Deixa lá. Já é tarde.
- Eu vou. Até já.
Desligou o telemóvel e sentou-se nua no chão do corredor.
O António era o seu único amigo e preocupava-se com ela. Desde que o seu pai morreu, ela achava que ia morrer do coração como ele e tinha pânico de morrer sozinha em casa.
O António sabia disto e tinham combinado que todos os dias úteis, se ela não ligasse de manhã o msn sempre que chegasse ao trabalho como era habitual, ele contactava-a para saber porque ela não tinha ido trabalhar.
Era também na pequena janela do msn que ela confessava ao António o que sentia.
Ela e o António encontravam-se poucas vezes pessoalmente e quando o faziam ela não conseguia falar com ele sobre si própria. Estava cada vez mais fechada. Por isso preferia escrever. E ele entendia-a. Apesar de ele ser mais novo que ela, tinha sempre um conselho sensato para lhe dar. Ela admirava-o bastante.
Entretanto sentiu frio e voltou a entrar na banheira. A água ainda estava morna e começou a sentir algum sono. Os seus olhos fechavam-se e abriam-se alternadamente à espera de ouvir a campainha a tocar.

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